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SÉRGIO GALVÃO: «O que sobra em palavras, falta em rigor Carlos Miguel tenta disfarçar, propositadamente, o que se passa. Não vai conseguir»

Em ano de prejuízo na Câmara, Carlos Miguel tenta comparar 2024 a 2009. Mas os números não mentem — e a responsabilidade também não se apaga com memória curta ou por conveniências eleitorais.

Na semana passada, decidiu escrever no Badaladas um artigo que, pelo que disse, não pode ficar sem resposta. Carlos Miguel não gostou que o Unidos tivesse denunciado o descontrolo financeiro da autarquia - cerca de 700 mil euros de prejuízo no ano passado -, recordando que aconteceu o mesmo em 2009, era eu o vereador das Finanças.

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Sérgio Galvão
Sérgio Galvão

Compreendo que tenha acusado o toque, agora que já foi oficialmente apresentado como candidato à Assembleia Municipal, mas está a comparar o incomparável - como é o primeiro a saber.

Para quem não está lembrado, 2009 foi o ano em que se sentiram os efeitos da gigantesca crise financeira do subprime (os anos ‘da Troika’), uma das maiores recessões da história mundial.

Nessa altura, a quebra de receitas foi abrupta, exigindo um ajustamento rigoroso das contas municipais. O que estava em causa era evitar um descalabro orçamental. Foi com trabalho e contenção que, ao contrário do que aconteceu no país, conseguimos que a Câmara voltasse a apresentar resultados positivos em 2011. Em boa hora fizemos esse ajustamento, estabilizando ‘o barco’ no momento em que a troika entrou no país. As largas dezenas de municípios, que não o fizeram, perderam a sua autonomia financeira e capacidade de investir.

Nessa altura, de vacas magras, vivemos de honrar a palavra e manter nervos de aço para manter tudo a funcionar e as contas em ordem.

Nada disto se compara ao que se passa hoje. Em 2024, não houve nenhuma crise internacional, mas, pelo contrário, um dos melhores anos de sempre das finanças das autarquias. Aqui bem perto, em Mafra, a Câmara Municipal encerrou o ano com um saldo positivo de 12,9 milhões de euros. Os péssimos resultados da Câmara de Torres Vedras (CMTV) não se devem a qualquer crise internacional, mas ao crescimento galopante e descontrolado das despesas correntes - em especial das despesas com pessoal e na contratação de serviços externos. Este é o problema central das contas da CMTV. E não é uma opinião: está nos relatórios, nos mapas, nos documentos oficiais.

“Desgraça financeira”, “caiu o Carmo e a Trindade”, “caos financeiro da CMTV”, os “profetas da desgraça” são tudo palavras de Carlos Miguel, não são minhas. Ao contrário do que quer fazer crer, nunca dissemos que a Câmara está à beira da falência. O que dissemos, e continuamos a afirmar, é que o aumento contínuo das despesas correntes compromete o futuro financeiro do município e a capacidade de investimento na melhoria das condições de vida no concelho. Deviam ser estes os pontos que deviam ocupar Carlos Miguel, se não estivesse já no registo oficial de campanha, e não o que eu digo ou não digo. Porque eu, como dantes, como sempre, sustento as afirmações em factos, sem demagogia.

Mas olhemos, então, para o estado das contas da autarquia. O que vemos é o total descontrolo das despesas com pessoal que subiram exponencialmente nos últimos anos. E não omitimos, como é sugerido, a descentralização de competências nas áreas da saúde e educação (ler Badaladas de 9 de maio de 2025). Elas ocorreram em 2020 e entraram 270 trabalhadores para a área da educação e 26 para a área da saúde - sendo também verdade que saíram 54 trabalhadores, da área de Gestão de Resíduos Sólidos que foram para os SMAS.

Falta rigor a Carlos Miguel. Já para não falar da afirmação de que são as amortizações e depreciações “o fator primordial para o saldo negativo”, afirmação tecnicamente errada e desprovida de qualquer fundamento. Abstenho-me de elaborar, por mera cortesia democrática.

 

Entre 2005 e 2019, o número de trabalhadores da CMTV oscilou entre os 625 e os 717 trabalhadores por ano. Em 2020, ano da descentralização de competências, passou para 1051 trabalhadores já por efeito daquela transferência. Em 2024, passou para 1254 trabalhadores. A estes temos de juntar 86 pessoas com contratos de avença, perfazendo um total de 1340 trabalhadores. As avenças merecem uma atenção especial, pois passaram de 34, em 2022, para 86 no final do ano passado. Cinquenta e duas pessoas contratadas em apenas dois anos… Enquanto as obras esperam e os projetos dormem, as avenças vão a toda a velocidade — afinal, alguma coisa tinha de estar a andar. Não é a competência e profissionalismo dedicado dos trabalhadores do município que está em causa, mas a forma inopinada como se tem procedido a novas contratações, muitas delas entrando no quadro num escalão superior a quem está há anos em dedicação exclusiva ao Município. Precisamos de uma orgânica bem elaborada, orientada para o cidadão e valorizando os trabalhadores - tudo o contrário do que aconteceu.

Por fim, a questão da capacidade de endividamento. Carlos Miguel escreve que a autarquia pode contrair até 43 milhões de euros em novos empréstimos. Mas omite (porquê?...) que já existem empréstimos contratualizados ou em fase de contratação no valor de 33,3 milhões de euros. A margem real de endividamento é de apenas 9,7 milhões. Quase nada, para um concelho com a dimensão do nosso e os desafios que Torres Vedras enfrenta. E se não fosse o Unidos a travar o empréstimo de 22 milhões para a estrada das Palhagueiras, essa margem seria hoje de pouco mais de 2 milhões.

Este não é um debate de palavras, é um debate sobre contas. Sobre o futuro. E os números não mentem.

O que está em causa não é o que se diz que disse, a querer parecer credível, mas o que se está a fazer, de facto, com os recursos que são de todos. E aí, a política precisa de ser feita com seriedade, responsabilidade e memória. Como temos feito, sempre, e vamos continuar a fazer. Porque é imperativo mudar de vida.