PEDRO PINA: «Pais desencontrados»
Os comportamentos dos nossos filhos não são só deles - são também um espelho do ambiente em que eles vivem. Quando os nossos filhos gritam, desobedecem ou fazem birras constantes, não estão apenas a “portar-se mal”; estão também a dizer que algo dentro deles, ou à sua volta, está a precisar de atenção (provavelmente da nossa enquanto agentes parentais!).

Compreender mais
Através de Uri Bronfenbrenner e de John Bowlby sabemos que o comportamento infantil é influenciado pelo contexto familiar e emocional e que a qualidade dessa ligação define a forma como a criança aprende a lidar com as suas emoções e com o mundo, por isso, antes de corrigirmos o comportamento dos nossos filho, escutemos esta mensagem porque nós, pais, fazemos parte da equação.
Quando os nossos filhos se desregulam, talvez a pergunta mais premente não seja “o que se passa com esta criança?”, mas sim “o que se passa connosco enquanto pais?”
Agora guardem esta informação: o comportamento é uma forma de expressão. A criança não grita por ser má; grita porque ninguém a está a ouvir!
Esta criança está impossível!
“Já não há respeito; os miúdos de hoje não sabem comportar-se e precisam de limites!”
Estas são frases que vamos ouvindo amiúde, especialmente pelos pais de “alto mar” que, por força das suas vivências, condenam tanto o comportamento das crianças como o dos pais que permitem acções pré-assumidas como desajustadas. Contudo, quase ninguém pergunta onde nasce o comportamento, ou seja, condenamos sem conhecer os porquês, as motivações, as necessidades ou as dificuldades da criança ou do momento.
Quando o corpo grita
Este texto não é para quem quer dos filhos apenas silêncio e obediência - é para quem tem a coragem de se olhar ao espelho e perguntar: “o que é que o comportamento dos meus filhos está a dizer sobre mim?”.
Toda as crianças se expressam com o corpo antes de o fazerem com as palavras. Bater, fugir ou fazer birra são formas primitivas (porém legítimas) de comunicar o que ainda não se sabe dizer.
Facto: nenhuma criança nascerá puramente agressiva, assim como nenhuma criança quererá o conflito, contudo, quando isso acontece, será sinal de que algo à sua volta estará emocionalmente desalinhado.
O sistema familiar ensina ou “desensina”?
Não existem comportamentos isolados; existem sim sistemas que os alimentam. Se a criança grita, talvez viva rodeada de gritos. Se mente, talvez não se sinta segura para dizer a verdade. Se desobedece, talvez a autoridade à sua volta seja incoerente (quantos adultos gritam “cala-te!” com raiva e quantos impõem “respeito” através do medo?).
Saiba-se então que, todos nós que já fomos crianças outrora, aprendemos pelo exemplo e não pela ordem, todavia, quando o exemplo é instável, o comportamento provavelmente também o será!
Educar não é “amansar”!
Quando a criança não obedece, muitos adultos reagem com castigos, ameaças ou até chantagem emocional - tão contrário aos fundamentos da psicologia comportamental que funda parte da sua razão no construto de que a aprendizagem emocional só é verdadeira quando assenta na relação e não na punição.
O facto é que, se uma criança está desorganizada por dentro, precisará de um adulto organizado emocionalmente e não de um castigo!
Se o adulto perder o controlo para exigir controlo, quem estará, afinal, a comportar-se mal?
O adulto que não se conhece
Há pais que não toleram o choro porque nunca aprenderam a lidar com a frustração e há mães que exigem calma sem nunca a terem sentido por dentro.
A verdade é que, por vezes, exigimos dos nossos filhos aquilo que nós, adultos e pais, algumas vezes, não somos capazes sequer de oferecer - a ponderação e a calmia por exemplo.
Este desequilíbrio potencia um ciclo de exigências e consequente afastamento, sendo que a criança, que só queria ser compreendida, passa a ser tratada como um problema a corrigir.
O amor perdido
Quando os pais se demitem do envolvimento emocional, quando trocam escuta por castigo e presença por dispositivos, o preço é altíssimo porque não se trata apenas de birras ou desobediência; estamos a falar, a médio prazo, de adolescentes ansiosos, de adultos inseguros, de vícios afectivos e de rupturas familiares. Estamos a falar também de filhos que, um dia, deixam de procurar os pais - não por falta de amor, mas por excesso de dor!
Chamada à consciência
Mais do que corrigir o comportamento da criança é preciso corrigir o exemplo do adulto - uma criança que não se sente segura aprende a afastar-se até daqueles que mais deveriam protegê-la (os seus próprios pais).
Nada disto é para culpabilizar, mas sim para “abanar”. Se têm filhos, sobrinhos, alunos ou crianças ao vosso redor, então este é o convite: antes de educarem uma criança, eduquem o adulto que habita em vós. Antes de castigarem o comportamento, escutem a emoção que lhe dá origem porque o verdadeiro “mau comportamento” é este: ter filhos e não fazer o trabalho interno que isso exige!