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ÁLVARO COSTA DE MATOS: «Tempo Presente» (Artigo 120)

“O país mudou com o Chega e ele [Marcelo Rebelo de Sousa] está condenado ao exílio institucional. Terá de usar o poder que lhe resta para ser o baluarte da resistência contra eventuais derivas do Governo em direcção ao radicalismo. Daqui até ao final do mandato, a sua grande tarefa será exercer com equilíbrio e sabedoria essa papel. Muito depende da sua acção e das suas escolhas.”

Manuel Carvalho – “Os «berbicachos» do Presidente”, in Público (7 Agosto 2025)

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Foto: Marina Baginha
Foto: Marina Baginha

31 de Julho

Trump deu 10 dias a Putin para acabar com a Guerra na Ucrânia. Caso contrário, serão aplicadas sanções à Rússia. O prazo limite, 8 de Agosto, foi anunciado à chegada aos EUA depois de um fim de semana na Escócia, onde acordou com a União Europeia um tecto para as taxas alfandegárias para os produtos europeus de 15%. Trump premeia aliados e castiga os rivais à boleia do proteccionismo. Chama-se a isto tarifas à la carte, com impactos imprevisíveis no comércio internacional.

 

1 de Agosto

José Luís Carneiro foi a São Bento e saiu com promessas de diálogo sobre Lei da Nacionalidade, Defesa ou Saúde. O secretário-geral do PS disse que a conversa foi “muito construtiva” e teve até direito a algo que André Ventura não tinha tido: a fotografia do aperto de mão entre o primeiro-ministro e o líder socialista. Com o Orçamento de Estado de fora da conversa, Carneiro avisou Montenegro: "Se quer diálogo com PS, é com PS que deve dialogar"! Passou a batata quente para o chefe do Governo.

 

2 de Agosto

Gonçalo Matias, o ministro que assina a reforma do Estado, explicou as primeiras linhas das medidas que pretende implementar e, ao abordar o caso dos funcionários que voltarão ao lugar de origem, lembrou que “ser dirigente não é uma carreira”. Horas antes, esteve ao lado do colega da Educação, que deu o pontapé de saída para esta mudança no sector público, que quer “mexer onde nunca se mexeu”, ao anunciar a reestruturação do Ministério da Educação Ciência e Inovação (MECI). Fernando Alexandre justificou a reestruturação devido à “estrutura anacrónica” do seu ministério, com organizações fragmentadas, sistemas de informação desintegrados e uma governação desarticulada. Com 18 entidades e 27 dirigentes superiores entre os serviços de ensino não superior e superior, ciência e inovação, o MECI passará a contar apenas com 7 entidades e 27 dirigentes, com a integração dos organismos extintos em novas entidades. A Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), um dos serviços extintos, será integrada na nova Agência para a Investigação e a Inovação. O ministro promete uma “transformação muito grande do sistema” com o objectivo de “simplificar os processos, a relação dos serviços centrais com os parceiros e melhorar a coordenação entre os diferentes níveis de administração”. A finalidade da reforma, assegurou, é “garantir a igualdade de oportunidades no acesso a uma Educação de qualidade em todo o território nacional”, acabando com uma “organização disfuncional”. A reorganização das estruturas segue dentro de momentos aos restantes ministérios da República.

 

3 e 4 de Agosto

O Presidente da República defendeu que, neste momento, sobre a lei de estrangeiros, o que interessa “é haver certeza quanto ao direito que se pretende mudar” e que isso “fica esclarecido com a intervenção do Tribunal Constitucional”, acrescentando que, politicamente, “fica para a história” que houve uma maioria que “quis essas soluções e oportunamente será julgada por isso”. O Governo desvalorizou o que chama de “prova de vida” de Marcelo Rebelo de Sousa, havendo até quem veja nas críticas do presidente medalhas para polir e pôr ao peito. O ambiente está quente entre a Presidência da República e o executivo. Será uma consequência do tempo, não do meteorológico, mas antes do cronológico. Marcelo foi duro e directo no caso da lei dos estrangeiros e na possibilidade de extinção da FCT. Na prática, está a tentar exercer um poder moderador efectivo contra o voluntarismo pragmático de Montenegro e a sua parceria com o Chega.

 

5 de Agosto

Há ou não um retrocesso nos direitos de quem amamenta? O ministério da Segurança Social não avança números sobre os alegados casos de abuso de direitos por parte de mães que amamentam crianças com mais de dois anos. Lembra que isso é matéria do foro das empresas. As declarações da ministra Maria do Rosário Palma Ramalho incendiaram opiniões e lançaram o debate. Da esquerda à direita, somam-se as críticas. De André Ventura a Rui Tavares, passando por José Luís Carneiro ou António Filipe, candidato presidencial apoiado pelo PCP, há unanimidade na condenação do Governo. Quem tem razão? A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Unicef sublinharam que a “amamentação é uma das formas mais eficazes de garantir a saúde e a sobrevivência de um bebé nas fases mais precoces da vida” e que “investir na amamentação é investir no futuro.” Médicos e enfermeiros concordam que mães devem passar mais tempo com filhos. O Governo contra-atacou esclarecendo que as alterações que propôs no anteprojecto da reforma laboral – e que vão estar ainda em discussão na concertação social e no Parlamento – mantêm “a dispensa para amamentação garantida até aos dois anos da criança, em linha com as recomendações da OMS, embora visem que “a sociedade no seu todo beneficie da credibilização do sistema.”

 

7 de Agosto

Rui Moreira reflectiu, depois sinalizou e, por fim, deixou a decisão em suspenso — mas os outros players parecem não levar a jogada a sério. A cinco meses das presidenciais, é assumido como quase certo pelos candidatos às eleições de Janeiro que o ainda presidente da Câmara do Porto não vai avançar com uma candidatura em nome próprio. Porque é que deu, então, o primeiro passo nesse sentido? Ninguém arrisca uma razão clara, mas existe a convicção generalizada de que se trata de um tabu de curta duração. E isso liberta os potenciais rivais de grandes cálculos ou temores.

 

8 de Agosto

As tarifas comerciais que Donald Trump injectou com esteróides estão aí, mas os empresários portugueses não estão prontos para deitar a toalha ao chão. Entre o desejo de estabilidade e a convicção de que 15% é demasiado, muitos sectores ainda sonham com um recuo que reponha a isenção tarifária nas trocas comerciais. Enquanto esperam, claro, vão pagando. Tudo depende da realidade específica de cada empresa e do tipo de concorrência que enfrenta nos EUA. Se os seus principais concorrentes nesse mercado vierem do Canadá, do Brasil ou da China, por exemplo, a empresa portuguesa até poderá acabar por ficar com uma situação mais favorável. O problema para todas as economias que agora são alvo de tarifas mais altas – e essa é a lógica por trás de qualquer estratégia comercial proteccionista – é que as empresas cuja produção já é realizada nos EUA ficam agora com uma vantagem face às suas concorrentes do exterior. O novo mapa de tarifas de Trump levanta muitas dúvidas, mas não deixará de abalar os equilíbrios do comércio internacional.

 

12 de Agosto

Não sei se já deu por isso, mas desapareceram mais dois jornais: após 16 anos de edições regulares, o i deixou de ser publicado como jornal generalista; ao fim de 45 anos de edição ininterrupta, o JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias publicou igualmente o seu derradeiro número. O primeiro registou o momento com uma retrospectiva das suas melhores capas e depoimentos de antigos directores e parece que vai renascer como revista, sendo distribuído com o semanário Nascer do Sol. Com o fim do JL perde-se um periódico histórico da cultura portuguesa. A crise da imprensa escrita é estrutural e muitos outros títulos morrerão se nada se fizer. Teremos, sem dúvida, um mundo mais cinzento, ignorante e aborrecido!