EDITORIAL | A morte de Francisco e o que não aprendemos
Passam hoje 51 anos sobre a revolução do 25 de Abril de 1974, que, entre outras coisas, permitiu o estabelecimento de uma democracia em Portugal e com ela vários valores, como a liberdade de expressão, que é a possibilidade de cada cidadão poder expressar as suas opiniões sem censura prévia e o livre debate de ideias. Mas, como é natural, tem limites e tem consequências, porque apela à responsabilidade de cada um e termina onde começa a liberdade dos outros.

A subversão deste princípio leva a que nas redes sociais prolifere o insulto fácil, atrás de um teclado, muitas vezes de forma anónima, atacando desconhecidos com palavras que não diríamos a um amigo cara-a-cara, porque prezamos a sua amizade e não a queremos perder.
Esta semana o mundo perdeu o Papa Francisco. Morreu precisamente no dia a seguir à Páscoa, época em que os católicos celebram a Ressurreição. O mundo perdeu uma referência de humanismo, de paz e de amor ao próximo. Ele ensinou-nos o caminho certo entre trajetos sinuosos, acendeu-nos a luz no meio da escuridão, integrou todos quando a tendência era para excluir, explicou com sábias e simples palavras aquilo que nos parecia incompreensível, lembrou o que estava esquecido e realçou valores aos quais já ninguém dava atenção.
Contudo, apesar da sua mensagem clara e óbvia, o ser humano continua a preferir apagar a luz, a excluir o que ele integrou, a complicar o que é simples, a esquecer tudo o que ele nos ensinou e a voltar a perder todos os valores que ele nos permitiu relembrar.
Retenho as palavras do teólogo Henrique Pinto em declarações a um canal de televisão: “Este é o Papa que o mundo não mereceu. Este Papa veio no momento certo para a Igreja e para o mundo e trouxe uma mensagem clara que hoje olhamos para ela como uma mensagem de um profeta, que, à imagem de outros profetas, falavam e não eram ouvidos”.
Escutei as palavras de Henrique Pinto e não pude deixar de lhe dar razão quando afirmou que “o mundo hoje perdeu o único líder credível”, porque, “olhando para o panorama de líderes atuais não há certamente um com o qual o mundo se tivesse identificado, tivesse abraçado, tivesse ouvido e aplaudido como o Papa Francisco”.
“O mundo não o mereceu. Nós não merecemos este Papa. Nós tivemos na nossa casa este bolo, comemos este bolo, enchemo-nos dele, mas não o merecemos. Este Papa que nos foi dado como alimento não o merecemos, porque ele entrou na nossa vida, mas a nossa vida não o fez ressoar, as nossas impurezas, a política e o mundo estão como estão, estamos novamente a entrar numa onda de armamento quando aquilo que o mundo precisa é de se desarmar e de fraternidade global”, disse o teólogo.
Por estes dias partilhámos duas notícias na nossa página do Facebook, uma sobre a reunião do eurodeputado mafrense Hélder Sousa Silva com deputadas brasileiras sobre igualdade de direitos entre homens e mulheres na política e outra sobre a proposta do movimento Unidos de melhorar os parques infantis do concelho de modo que possam ser frequentados por crianças com necessidades especiais.
A primeira continha no título a expressão “igualdade de género” (igualdade de direitos entre homens e mulheres), algo pacífico e normal numa sociedade desenvolvida. Mas a palavra “género” fez soar outras campainhas e surgiram os comentários do costume, de pessoas que não leram a notícia e tiraram conclusões erradas, atacando algo que nem sequer leram e os que leram não entenderam.
A segunda é igualmente pacífica, uma proposta aparentemente consensual de dotar parques infantis com condições de acesso a crianças deficientes, de forma gradual. Pois também não faltaram os comentários críticos de quem certamente não leu o artigo completo e focou-se apenas na palavra “inclusivos”.
São coisas das redes sociais, é certo, os comentários escrevem-se numa curta ida à casa-de-banho ou na fila do supermercado, não há tempo para ir abrir a notícia completa. Mas é preciso não tirar conclusões precipitadas sem antes ler e compreender o que está escrito, não se ficar apenas pelos títulos ou por palavras isoladas. E, sobretudo, respeitar as opiniões dos outros, goste-se ou não. Pelos vistos, em 12 nos não aprendemos nada com Francisco!