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ARTUR DA ROCHA MACHADO «Queda do Governo: A chocante cena que ofende os portugueses»

Estamos no ano de 2025. Há precisamente cem anos (1925), vivia-se um problema social e político bastante semelhante ao atual. Os partidos ou forças políticas que lutavam pelo poder não se entendiam. A balburdia vivida só veio a serenar em 1928 com a implantação do Estado Novo.

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Artur da Rocha Machado (Professor universitário, membro da Sociedade de Geografia de Lisboa)
Artur da Rocha Machado (Professor universitário, membro da Sociedade de Geografia de Lisboa)

Hoje, as forças políticas também não se entendem. A classe política está mergulhada num lodaçal. Sem ideias e sem projetos para Portugal, entretém-se em miseráveis jogos de poder críticos, desprezando princípios éticos e morais e desrespeitando os portugueses e Portugal. Jogam deliberadamente a sua sobrevivência, mesmo à custa de imaginadas vitórias vergonhosas. Os insultos, as mentiras, as maledicências, os ataques mesquinhos e pusilânimes dominam a praça partidária. A comunicação social excessiva e caprichosa remexe o lodaçal, pairando num imaginado habitat diáfano e impoluto. Foi por esta circunstância que se revisitou o livro de A. Woodrow, Informação e Manipulação (1991), traduzido e prefaciado pelo jornalista José Manuel Barata-Feyo. O prefácio do tradutor é um diagnóstico verdadeiramente incisivo e crítico do jornalismo, perfeitamente atual. É digno de ser lido por jornalistas e outros interessados. Talvez ajude a temperar os ânimos dos mais convencidos, ousados e despudorados, sem prejuízo da importância do seu trabalho na vida e saúde democráticas.

Vive-se um ambiente de abjeta e infeliz tentativa de corrosão da democracia. Perante o panorama atual, só pode haver saudades de outros tempos, em que políticos esclarecidos e respeitados eram ouvidos, os ânimos serenados e a ordem e a estabilidade repostas, deixando a democracia seguir o seu rumo. Os cidadãos que entre nós arquitetaram o regime democrático, continuam a esforçar-se por lhe dar continuidade e assim viver a sua vida em liberdade, responsabilidade e respeito mútuo.

Os Portugueses puderam assistir em direto a mais uma degradante cena ocorrida no Parlamento, a que se seguiu a queda do governo. Ninguém escapa imune à miserável cena que o Governo, a Oposição e os deputados da Nação representaram em direto para os Portugueses. Portugal e os Portugueses merecem e exigem mais respeito da parte dos seus eleitos, pois são eles que trabalham diariamente e que, com os seus impostos, financiam a atividade dos parlamentares, esperando ser dignamente representados, defendidos e respeitados. Esperam a defesa dos seus direitos com a dignidade e honorabilidade que merecem. Porém, assistiu-se a mais uma miserável prova da mediocridade que campeia no Espaço Parlamentar. A calamitosa qualidade dos deputados expressa-se na falta de ideias, de experiência de vida e de projetos para Portugal, o que faz com que se entretenham com medíocres e sórdidos jogos de poder pessoais. Transformar o Parlamento num asilo de inúteis ou numa agência de emprego não é digno de um País. A prestação de Serviço Público deve ser honrosa, dignificante e prestigiante para qualquer deputado da Nação. A missão de deputado deve ser temporária, ou seja, de um mandato ou no limite de 2 mandatos. O deputado não pode ser proprietário do lugar que ocupa, mas apenas exercê-lo transitoriamente. Por isso, o candidato a deputado deve ter um passado profissional que acalme os seus ânimos, sonhos, delírios e o ajuste à realidade. Depois de exercer a função de deputado regressará à sua anterior profissão, sem angústias nem medos. Só assim o Parlamento deixará de ser um centro de emprego, um asilo de inúteis e habilidosos, ocupados em jogos de poder. Realça-se que todo o jogo é uma fraude.

Face ao que se passou no Parlamento pergunta-se: onde estão os cidadãos? Na verdade assistimos, quer do ponto de vista do Governo, quer da Oposição, à sociologia do rebanho. Ora, em democracia cada cidadão deve ser responsabilizado pelos seus atos. Não pode escudar-se atrás do rebanho e muito menos usá-lo como escudo protetor. Urge que a maioridade e responsabilidade se instalem como exigência à classe política. É um ato perverso permitir que os candidatos a deputados sejam escolhidos pelos líderes dos partidos e assim constituam o seu exército privado. Os cidadãos desconhecem quem é o deputado que os representa e ao qual possam pedir responsabilidades pelas promessas não cumpridas. Isto sucede porque os cidadãos não votam no seu candidato, mas num grupo de candidatos escolhido pelo líder do partido. Ora, o partido deve estar ao serviço dos cidadãos e não de si próprio, constituindo-se como uma espécie de célula autónoma e independente.

As cenas ocorridas no Parlamento têm demonstrado claramente que se chegou ao grau zero da política, da decência, do respeito, da honra e dignidade, da urbanidade e cidadania. Há que regenerar a classe política, pois a democracia não pode dispensá-la, nem prescindir dela.