ARTUR DA ROCHA MACHADO: «Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas»
No dia 10 de junho de 2025 tiveram lugar as Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas espalhadas pelo mundo. Depois de deixar esbater as emoções que nestas circunstâncias sempre emergem e dar azo à racionalidade, impõe-se ver a realidade com serenidade e lucidez.

Estas comemorações sempre tiveram e têm o carácter histórico e simbólico de unir os Portugueses espalhados pelo mundo, em torno da sua própria história. Fomos desde há séculos um país de aventureiros, de navegadores e emigrantes que ousaram arriscar, partindo para o desconhecido em busca de outra sorte e que assim se espalharam pelos diversos cantos do mundo, deixando aqui e além o rasto da sua passagem. Devemos ter orgulho do que fizemos. Temos uma cultura com fortes valores que continua a sobreviver a adversidades e convulsões, sem ceder no essencial. Salienta-se que os Portugueses são o resultado de uma confluência e agregação plural de vários povos que em tempos idos passaram e se cruzaram na península ibérica, ora aliando-se ora combatendo-se, a que se juntaram mais tarde influências de outras culturas com a epopeia dos descobrimentos. É desta miscelânea de povos e culturas que resulta o povo Português. A miscigenação foi portanto um processo natural, que originou o povo que hoje somos. E se havia pretensão de que houvesse raças puras, essa veleidade foi sempre e apenas uma pretensão suspeita e infundada, que cada vez mais será esbatida pela globalização imparável. Esta tem o condão de facilitar e acelerar o intercâmbio entre povos, culturas e civilizações. O objetivo das comemorações de 10 de junho deve ser de união, de envolvimento, de reconhecimento e de louvor de todos os Portugueses que fizeram e consolidaram o Portugal que hoje temos e somos, dispensando os piedosos moralistas de serviço movidos pela onda insana do wokismo moderno. Portugal não começou com Camões como foi suposto num dos discursos, mas com a batalha travada por D. Afonso Henriques contra as tropas de sua Mãe, D. Teresa, ali mesmo ao lado do Castelo de Guimarães, em S. Mamede, no dia 24 de junho de 1128. Esse dia, pela sua importância é, desde há muito tempo, feriado Municipal em Guimarães. Esta data é uma referência inquestionável e de relevância maior para a identidade de Portugal.
O discurso oficial proferido pela convidada (Lídia Jorge), defraudou em parte as expectativas e a verdade que se esperava fosse respeitada. Aguardava-se que o dia 10 de junho de 2025 tivesse sido um momento maior da grandiosidade do povo Português, apelando ao regresso à memória e ao imaginário, para recordar a história e abordar o passado e a gesta dos descobrimentos marítimos, levados a bom termo pelos nossos antepassados, pelo que fizeram e pelo que sofreram para o conseguir, o que tão bem foi retratado por Luís de Camões em Os Lusíadas. Este importante acontecimento anual tem um valor emocional de unir todos aqueles que partiram e partilham o amor patriótico, porque ele é um símbolo identitário. O que os Portugueses fizeram com a epopeia dos descobrimentos (primeiro ensaio da globalização), foi reconhecido por todo o mundo evoluído. Mas e infelizmente temos a idiotice de nos diminuirmos. Não há nenhum motivo para nos culparmos ou penalizarmos pelo nosso passado. Os povos são o que fizeram ao longo da sua história. E sublinha-se que os atos praticados, por motivos de honestidade intelectual, cultural e política, não podem deixar de ser analisados no tempo em que foram praticados, tendo em conta a cultura, os costumes, os valores, as sensibilidades e práticas correntes nas sociedades de cada época. Servir-se da grelha de valores e sensibilidades da cultura emocional atual para avaliar o que aconteceu há séculos, só para estar de acordo com a dinâmica do tempo presente, é prestar um péssimo serviço à verdade, à história e à Portugalidade. O discurso emblemático do dia 10 de junho de 2025, não correspondeu às expectativas, defraudando a história, a memória e respeito que os antepassados merecem. Recorda-se que os países africanos, antigas colónias portugueses, herdaram a língua portuguesa, veículo oficial de união interna entre tribos, sobrepondo-se aos dialetos tribais, embora subsistam até hoje.
Deseja-se e o País merece que em próximas comemorações do 10 de junho se façam opções mais adequadas ao evento e que lhe proporcionem a grandeza merecida, recorrendo à história e à memória, pois são estas que dão sentido e estabilidade a um povo. Não há futuro sem passado e sem presente. Espera-se que a crise justiceira de rebanho não prevaleça e regresse o bom senso.
Artur da Rocha Machado (Professor Universitário e Membro da Sociedade de Geografia de Lisboa)