ÁLVARO COSTA DE MATOS: «Tempo Presente» (Artigo 116)
“A criminalização da palavra, numa sociedade democrática, já é em si uma questão controversa, mas a condenação em anos de prisão por expressões proferidas num espectáculo de humor, sobre as quais não há notícia de qualquer consequência negativa, viola a nossa dignidade enquanto cidadãos do mundo. É uma monstruosidade própria de um regime ditatorial.”
Francisco Teixeira da Mota – “Uma juíza sem graça”, in Público (14 Junho 2025)

4 de Junho
Morreu Eduardo Gageiro, autor de algumas das imagens mais icónicas do 25 de Abril. Nascido em Sacavém, em 1935, Gageiro deixa um vasto arquivo duma obra de décadas que ilustra realidades políticas, sociais e culturais do país, modos de vida e personalidades diversas, num registo histórico desde a década de 1950 até à actualidade. Foi um dos primeiros fotojornalistas a chegar aos cenários do 25 de Abril, fixando as imagens do encontro dos militares no Terreiro do Paço, o assalto à sede da PIDE e o momento em que o capitão Salgueiro Maia percebeu que a queda da ditadura era inevitável e a Revolução triunfara. Em 1974, foi premiado (o primeiro português de sempre) com o segundo lugar na categoria de retratos pela World Press Photo. É o único português com uma fotografia em permanente exposição na Casa da História Europeia, em Bruxelas, desde 2014. Essa imagem representa Maia e outros militares com cravos nas espingardas no dia da Revolução. A melhor homenagem que podemos fazer a Gageiro é visitar a sua exposição "Pela Lente da Liberdade", em Torres Vedras, patente ao público até 13 de Setembro.
5 de Junho
O novo Executivo tem 16 ministérios, menos um do que o anterior, e mantém 13 dos 17 ministros do último Governo, numa prova de confiança do primeiro-ministro no seu elenco. Só há duas caras novas, Gonçalo Saraiva Matias, que será Ministro Adjunto e da Reforma do Estado, e Maria Lúcia Amaral, a nova Ministra da Administração Interna. Aos novos rostos juntam-se um secretário de Estado promovido a ministro e dois ministros que assumem pastas que eram de dois ministros que saíram. O que dizem as escolhas de Luís Montenegro sobre o novo Governo? Será de continuidade com “renovações pontuais” e, pelos vistos, quer reformar o Estado. A ver se a “maioria maior” de Montenegro é suficiente…
6 de Junho
Na tomada de posse do Governo, destaco os discursos de Luís Montenegro e Marcelo Rebelo de Sousa. Marcelo aproveitou para fazer um balanço político: não deixou passar em claro a polémica Spinumviva, referiu-se à personalização das eleições e ao juízo ético que os portugueses fizeram. “Falo de juízos políticos, porque os de ordem jurídica, do foro judicial, não estavam em apreciação”. Ficou o recado, num discurso que ainda serviu de análise quando avisou o Partido Socialista que não está imune à irrelevância, lembrando que advertiu para o crescimento dos partidos populistas. Montenegro deixou três mensagens principais: o IRS é mesmo para baixar (a AD prometeu descer mais 500 milhões ainda em 2025), a reforma do Estado é mesmo para fazer e as despesas em defesa serão aumentadas até 2% do PIB já este ano… “se possível”. Depois, terá de explicar onde é que vai cortar para investir na defesa e na segurança!
8 de Junho
Na final da Liga das Nações, Portugal venceu Espanha, num encontro que teve de ser decidido nas grandes penalidades. O jogo teve três grandes figuras: Cristiano Ronaldo, que desfez a vantagem espanhola na segunda parte; Diogo Costa, que travou a grande penalidade de Morata — para, logo depois, Rúben Neves imitar Gonçalo Ramos, Vitinha, Bruno Fernandes e Nuno Mendes, e rematar, sem hipóteses, para a vitória; e o mesmo Nuno Mendes, eleito melhor jogador da partida, que pôs tudo no bolso para cumprir um ano de sonho. A unir tudo isto, também houve, claro, Roberto Martínez, que ignorou o ruído, foi “garantido” por Proença e mostrou uma emoção como nunca se tinha visto em 30 jogos no comando. Viva Portugal!
10 de Junho
Um actor d’A Barraca foi agredido no teatro onde ia fazer de Camões, na última apresentação da peça “Amor é um fogo que arde sem se ver”. Adérito Lopes teve de ser assistido no Hospital São José, após agressão às mãos de um elemento de um grupo que testemunhas no local descrevem como sendo composto por “neonazis”. A PSP identificou todos os intervenientes, tendo interceptado um homem de 20 anos, suspeito de ser o autor da agressão. O infeliz episódio aconteceu no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas! Horas depois, nas cerimónias oficiais em Lagos, Marcelo Rebelo de Sousa discursou pela última vez como Presidente. E em sintonia com Lídia Jorge, a escritora que convidou para presidir à comissão organizadora das comemorações, atirou aos nacionalismos: “Não há quem possa dizer que é mais puro e mais português do que qualquer outro”. Afinando pelo mesmo diapasão, Lídia Jorge disse que “por aqui ninguém tem sangue puro. A falácia da ascendência pura, não tem correspondência com a realidade. Somos descendentes do escravo e do senhor que o escravizou”. Muito bem, mas os dois esqueceram-se de celebrar essa mistura que explica o que somos hoje e que também é fruto do colonialismo. E, pela enésima vez, lá veio o lamento pelo “pecado dos Descobrimentos” e pelos horrores da escravatura, omitindo as coisas boas e estruturantes que aconteceram depois. Quanto à agressão cobarde, é imperiosa uma investigação policial que castigue exemplarmente os responsáveis para acabar com a impunidade destes grupos criminosos!
11 de Junho
A tensão continua a escalar nos EUA, um sentido que se deverá manter até às marcações de centenas de contraprotestos ao desfile militar que Trump organizou no dia do seu aniversário. A Casa Branca respondeu às manifestações em Los Angeles com o envio da Guarda Nacional, a Califórnia vê a medida como uma ingerência federal e a decisão incomodou muitos militares. Sob pressão política, as Forças Armadas não querem ser “um enfeite”. Entre os tumultos e a Constituição, o cenário beneficia ou prejudica Trump? A militarização da sociedade numa democracia tem tudo para correr mal.
12 de Junho
Assinalaram-se os 40 anos da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE): após oito anos de negociações complexas, o então primeiro-ministro, Mário Soares, formalizou a entrada do país na CEE no Mosteiro dos Jerónimos, a 12 de Junho de 1985. Poucos anos após a Revolução dos Cravos, este marco reforçou a democracia portuguesa e o arranque da modernização económica e social financiada pelas verbas comunitárias, com as novas infraestruturas e a livre circulação a darem um novo fôlego ao país. Portugal deixou de se comparar com África, onde tinha províncias ultramarinas antes do 25 de Abril, e passou a comparar-se naturalmente com os outros países da União Europeia, países que eram muito mais avançados do que nós. Isso serviu de estímulo para uma profunda transformação política, económica e social. O país nunca mais foi o mesmo.
16 de Junho
O número de mortos continua a aumentar no Médio Oriente. O “ataque preventivo” contra o Irão, justificado pelo “perigo” que o seu programa nuclear pode representar para a existência de Israel, resultou numa guerra de contornos imprevisíveis. Que até pode ter um efeito contrário: convencer Teerão a acelerar a nuclearização, a qualquer preço! Entretanto, há registo de novos ataques lançados do Irão contra Israel e vice-versa. O G7 tem encontro marcado para esta semana no Canadá e terá de acrescentar este conflito à agenda. As sete maiores economias do mundo querem ainda que a Rússia aceite negociar o fim da guerra na Ucrânia ou terá de enfrentar novo pacote de sanções.