PEDRO PINA: «O desapego»
Imagine uma criança que segura um balão com força, com medo de o perder; quanto mais agarra, mais controlo julga ter sobre ele. Subentendemos que essa força seja directamente proporcional ao grau de importância que atribui ao balão, ou seja, quanto maior for o medo de perder, mais apertará!
Porque estas medidas não tiveram boa gestão, por tanto medo de perder e por tanto aperto, o balão, em constrição, rebenta e, com ele rebenta também a ilusão: o que se tentou proteger com tamanha intensidade perdeu-se por excesso de apego.

Esta imagem ilustra uma verdade emocional: quando agarramos algo ou alguém com demasiada força (com medo de perder ou de ficarmos sós), arriscamo-nos a destruir aquilo que mais queríamos preservar!
A força do apego pode sufocar
O apego nasce de um instinto humano legítimo: o de ligação, pertença e continuidade. No entanto, quando não reconhecemos os nossos medos ou inseguranças, transformamos esse instinto em prisão (por vezes não apenas para nós, mas também para os outros!).
A verdade é que tentamos controlar a vida com a mesma ansiedade e intensidade com que a criança tenta controlar o balão: apertando e forçando. Será este o paradoxo do apego: quanto mais agarramos, mais nos arriscamos a perder e, concomitantemente, quanto mais queremos garantir que algo nos pertence, mais o sufocamos (seja uma pessoa ou até um objecto).
O apego como tentativa de controlo
Na psicologia sabemos que o apego é essencial nos primeiros anos de vida; o bebé precisa de um vínculo seguro com quem o cuida, contudo, quando este vínculo é frágil ou ambivalente, a criança aprende a depender do controlo para sobreviver emocionalmente.
Facto: crescemos e levamos connosco esta “programação” e acreditamos que só estaremos bem se conseguirmos garantir que o outro não nos deixa, que as coisas não mudam ou que o tempo não nos rouba o que amamos; este medo inconsciente molda comportamentos obsessivos, relações co-dependentes e hábitos de auto-sabotagem! Seguramos com força o que nos traz segurança, mas esquecemo-nos de perguntar o que acontece a algo ou alguém quando é impedido de se mover livremente!
A cultura de acumulação
Vivemos numa sociedade que valoriza o "ter" mais do que o "ser"; acumulamos objectos, troféus e relações (mesmo quando já não nos servem). Na mesma senda, as redes sociais perpetuam o mito da permanência: tudo deve ser guardado, mostrado e validado. Aprendemos a colecionar e arquivar, mas, “desaprendemos” a deixar ir!
Neste contexto, o desapego não é apenas uma escolha pessoal pois que se trata de um posicionamento contra uma cultura de acumulação e ansiedade. É como se disséssemos: “não preciso agarrar tudo para ter valor; não preciso manter tudo para ser feliz”.
O desapego como ritual de passagem
Em todas as culturas tradicionais existem rituais para assinalar momentos de transição - morte, casamento ou a passagem da juventude à idade adulta. Nestes rituais é comum haver gestos simbólicos de desapego: queimar objectos ou enterrar símbolos do passado. Estas práticas mostram-nos uma sabedoria ancestral: viver exige deixar partir porque, a bem ver, o fluxo da vida é circular e o apego ao que já foi é resistir ao próprio ritmo da existência.
O custo de segurar com força demais
Exemplos ficcionados: uma mulher, num casamento tóxico, recusa-se a separar-se por medo de solidão; controla, fiscaliza e insiste! Mas a relação rebenta (tal como o balão!) porque já não havia espaço para crescer, só para apertar!
Um profissional permanece anos num emprego que o esgota, com medo de arriscar algo novo. Tenta controlar todas as variáveis, mas perde a vitalidade, a criatividade e a saúde mental; “rebenta” antes de aceitar mudar!
Um pai obriga o filho a seguir o seu percurso de vida; aperta tanto as expectativas que o filho, um dia, corta o laço. O que se queria preservar (a ligação afectiva) rompeu-se por excesso de controlo.
Desapegar é libertar, não rejeitar
Estes exemplos provam uma verdade essencial: o amor, a vida e a liberdade não se prendem pela força! Porém, entre muitos de nós, há um equívoco comum: achar que desapegar é não ligar, não sentir ou não querer, contudo, nada de mais errado se poderia assim julgar: o desapego verdadeiro não é frieza, mas sim maturidade e demonstração da capacidade de amar sem prender, de cuidar sem possuir e de estar sem exigir!
O que é teu não precisa ser apertado
Se precisa de ser apertado para ficar, não é teu e, porventura, nem estarás a “apertar” por amor, mas sim por medo de perder!
Se “a coisa” precisa de ser vigiada para não desaparecer, isso não é a necessidade de criar confiança, mas sim necessidade do controlo e, se precisa de ser garantido a todo o custo, não é liberdade, é prisão!
Pedro Pina (Psicólogo Clínico)