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PEDRO PINA: «Bullying: quando a sociedade falha»

O bullying é um comportamento intencional e repetido que visa magoar, humilhar ou excluir, quase sempre num contexto de desequilíbrio de poder. Pode manifestar-se de forma física, verbal, relacional ou digital e tem impacto directo no bem-estar emocional, na auto-estima e no desenvolvimento social; não se trata de uma simples "brincadeira de miúdos", mas um fenómeno sério que exige uma resposta conjunta de famílias, escolas e sociedade.
Ainda que a maior parte destes eventos ocorram em contexto académico, o bullying não é apenas um problema escolar, pois que se trata já de um fenómeno social. É, antes de mais, o resultado de uma teia de factores onde se cruzam a imaturidade emocional, a ausência de regulação afectiva, o “desinvestimento” parental e a normalização da agressividade; na realidade parece tratar-se de um espelho da forma como vivemos, educamos e nos relacionamos.

4 min de leitura
Pedro Pina (Psicólogo Clínico)
Pedro Pina (Psicólogo Clínico)

Mais do que violência!

Reduzir o bullying à agressão física é ignorar o seu impacto mais profundo. Hoje, sabemos que estes actos assumem formas variadas: exclusão social, manipulação, humilhação, perseguição online, entre tantas outras, sendo que, muitas vezes, é muito mais silencioso do que explícito e, exactamente por isso mesmo, mais perigoso.

Em ambiente clínico constato jovens marcados não só pelas ofensas, mas pela exclusão e pela dor de não serem validados no seu sofrimento. Algumas destas situações persistem porque muitas vezes são sustentadas por normas sociais disfuncionais, escolas permissivas e/ou estilos parentais desatentos ou mesmo negligentes.

 

Os dados

O estudo HBSC (2022), apoiado pela Organização Mundial da Saúde, revela um cenário preocupante em Portugal: 27,7% dos adolescentes sentem-se infelizes - um aumento significativo desde 2018. Regista-se igualmente um aumento de sintomas como nervosismo, tristeza e irritação, sendo que, cada vez mais jovens relatam sentimentos de medo e solidão e cerca de um terço dos alunos apresenta ainda sinais de sofrimento psicológico e dificuldades nas competências socio-emocionais. Estes dados não são meramente estatísticos, são um alerta claro para a necessidade urgente de uma intervenção preventiva e articulada!

 

Agressores e vítimas: todos precisam de ajuda!

É tentador dividir o mundo entre "bons" e "maus", mas esta visão é redutora; o agressor nem sempre é um jovem cruel - muitas vezes é alguém com défices emocionais, com dificuldades em lidar com frustrações ou com modelos de comunicação agressivos vindos do meio familiar. Por vezes, quem agride hoje foi vítima ontem!

Contextualmente, o bullying não representa apenas um acto isolado - é também uma consequência e, enquanto sociedade, temos de estar atentos à origem desse comportamento!

Regulação emocional é a competência-chave que falta?

Se há um factor comum na maioria dos episódios de bullying é a falta de regulação emocional. Crianças e jovens que não conseguem identificar o que sentem, que não aprenderam a gerir a frustração, a perda ou a crítica, acabam por expressar o desconforto através da agressividade e é aqui que entra a importância da literacia emocional: a família precisa de assumir o seu papel como primeira escola emocional e as instituições de ensino precisam de ensinar mais do que conteúdos curriculares; precisam de educar para a vida, para a convivência e para a diferença!

 

Pais: presença, atenção e acção

Esta é uma das verdades: muitos pais não sabem o que se passa com os seus filhos - alguns, não por desinteresse, mas por ausência de estratégias para o debelar da problemática. Por outro lado, outros há que recusam admitir que o seu filho possa estar a ter este papel de magoar alguém e, por fim, haverão aqueles que confiam cegamente que "a escola resolve".

Porém, aceite-se, não há prevenção eficaz sem envolvimento familiar; é necessário que os pais se tornem observadores atentos, que reconheçam sinais como mudanças súbitas de humor, resistência em ir à escola, alterações no sono ou no apetite, isolamento e, entre tanto mais, comportamento agressivo também em casa.

 

O bullying como responsabilidade colectiva

Não há solução mágica! Mas há caminhos e todos passam por um princípio claro: a responsabilidade é colectiva e a família, a escola e a comunidade deverão ter um papel activo e de “detective”: o bullying instala-se onde há silêncio, desatenção e normalização da agressividade e combate-se com a escuta activa, com a presença afectiva e, no mínimo, com educação emocional.

A boa notícia é esta: prevenir resulta! Ambientes escolares positivos promovem melhor desempenho académico, menos conflitos e relações mais saudáveis, assim como famílias envolvidas criam jovens mais resilientes e, por fim, comunidades conscientes tornam-se mais humanas.

 

Conclusão: o que escolhemos fazer com o que sabemos?

Hoje, sabemos mais do que nunca sobre os efeitos do bullying e que a dor que ele causa pode durar anos, mas também sabemos que a prevenção é possível através de um investimento nas famílias e na educação.

A pergunta que se impõe não é apenas o que fazer, mas sim o que escolhemos fazer, agora que conhecemos algumas das suas implicações!