O combate à corrupção
Sendo o combate à corrupção um tema cada vez mais consensual na sociedade portuguesa, que esteve em destaque nas recentes eleições legislativas, impõe-se uma análise breve dos principais pontos de convergência dos programas eleitorais das várias forças políticas, com destaque para as três com maior representação parlamentar.
De facto, dada a escassa maioria relativa, o novo Governo da Aliança Democrática terá de alcançar compromissos em várias matérias - nomeadamente no combate à corrupção - para conseguir implementar o seu programa eleitoral, que ficou plasmado no programa do governo.
Dado que o programa eleitoral do Partido Socialista enfatiza a continuidade nas políticas de combate à corrupção, é provável que o Governo tenha de cooperar com o Chega em várias medidas, especialmente na criminalização do enriquecimento ilícito ou injustificado. Esta é uma medida essencial no combate à corrupção que está presente na maioria dos programas eleitorais, exceto no do PS, pelo que o acordo pode abranger vários partidos.
O problema aqui será encontrar uma formulação que seja constitucionalmente aceite, dado que não seria a primeira tentativa de implementação de uma medida mais abrangente. Para maior impacto, a formular deveria abranger também o setor privado, como defendido num estudo da Faculdade de Economia do Porto em 2023 sobre Economia Não Registada, que estima um peso de quase 35% do PIB em 2022.
Em 2021, o Parlamento aprovou uma versão soft de criminalização do enriquecimento injustificado para titulares de cargos públicos, via “alargamento das obrigações declarativas” e “densificação do crime de ocultação de enriquecimento” (que já existia), pelo que a medida preconizada no estudo, alinhada pelo que existe em França, é mais ampla.
Como alternativa ao enriquecimento ilícito, o programa da AD prevê a criação legal de mecanismos como a “Ação Cível para Extinção de Domínio”, ou “unexplainel wealh orders”, que consagra um mecanismo legal para permitir que o Estado recupere bens adquiridos ilicitamente por particulares independentemente de uma condenação penal do proprietário. O programa do Chega parece incluir uma formulação semelhante, pelo que poderá haver aqui acordo.
Ainda no combate à corrupção, é de assinalar a delação premiada e o reforço da proteção de denúncia -, a publicação de todas as decisões judiciais online (AD e Chega) e o reforço e otimização de meios (físicos, humanos, organizacionais) no combate, investigação e ação penal da corrupção, que se trata de uma transversal a todos os programas eleitorais, potenciando acordos.
Ao nível de prevenção da corrupção, há consenso alargado no registo e regulação do lobbying – sendo a exceção a CDU, que pretende ilegalizar a prática - e generalizado no controlo de conflitos de interesse de titulares de cargos públicos, com realce para o travão às “portas giratórias”, sobretudo quanto ao alargamento dos “períodos de nojo”.
Embora a Iniciativa liberal não tenha dedicado qualquer ponto específico do seu programa eleitoral à corrupção, considera que a desburocratização e redução de desburocratização e redução de benefícios fiscais são essenciais ao nível de prevenção, o que faz sentido e é compreensível face à sua linha programática.
Assim, e como o Governo AD e o Chega também defendem a desburocratização (nomeadamente em matéria do licenciamento, uma das áreas mais sensíveis) e a redução dos benefícios fiscais injustificados (referida ainda pelos demais partidos, exceto o PS), poderá haver aqui entendimento entre, pelo menos, a AD, Chega e IL, para prevenir a corrupção também por esta via indireta, desejavelmente no seio de uma reforma alargada do Estado, para melhorar a gestão e a eficiência da despesa pública. Ainda a respeito da desburocratização, o impacto poderá ser potenciado pelo uso de novas tecnologias – como, inteligência artificial, big data e blockcain -, no âmbito da digitalização do Estado, aspetos que aproximam também a AD, Chega e IL, já no que se refere à implementação da “pegada legislativa” (AD, PS. Livre e PAN) – a publicação online das várias etapas do processo legislativo -, o entendimento da AD pode ser feito com o PS.
Como para prevenir a corrupção é preciso mudar mentalidades, salienta-se algumas convergências entre a AD e o Chega na educação cívica e ética nas escolas. A promoção da transparência, formação e ética de conduta na administração pública foi referida por todos os partidos, o que poderá gerar consensos, sendo a medida mais inovadora a proposta da AD de instituir o “Scorting de Ética e Integridade” para as entidades públicas.
Finalmente, há medidas de combate à corrupção defendidas por partidos com menor expressão parlamentar, mas que podem ter um impacto relevante e serem exequíveis, devendo merecer a atenção do Governo e das principais forças políticas na oposição.
O fim do sigilo bancário, uma bandeira antiga do PCP/CDU e que poderá fazer sentido dentro de limitações bem definidas na lei, tal como faz a Suécia, um dos países mais avançados em matéria de combate à corrupção, onde a informação da declaração do IRS é pública (medida ausente dos programas eleitorais).
A exclusão do acesso a apoios públicos e à contratação pública das empresas sediadas em paraísos fiscais, medidas defendidas pelo Bloco de Esquerda e pelo PAN. Combate à corrupção no futebol (PAN) nomeadamente a realização de uma auditoria a todas as transferências de jogadores e treinadores de futebol ocorridos desde 2015 e a divulgação da origem, do destino e dos beneficiários dos fluxos financeiros envolvidos, bem como da titularidade efetiva dos capitais sociais das sociedades desportivas.
Há, pois, como muitos consensos possíveis para travar a corrupção, assim haja vontade política.