ÁLVARO COSTA DE MATOS: «Tempo Presente» (Artigo 117)
“O verdadeiro desafio europeu não é apenas mobilizar 5% do PIB, é construir uma direcção comum, capaz de transformar recursos em propósito estratégico.”
Ana Miguel dos Santos – “5% de quê? O verdadeiro desafio da Europa”, in Diário de Notícias (1 Julho 2025)

17 de Junho
Benjamin Netanyahu nunca escondeu o desejo de derrubar o regime teocrata do Irão, cujo máximo representante é o aiatola Ali Khamenei. Agora, foi mais longe e garantiu que a morte do Líder Supremo “não ia escalar o conflito, [mas sim] acabar com a guerra”. Seria mesmo assim? Acho que não, o regime iraniano tem forma de sobreviver após Khamenei — e até radicalizar-se. Além de ganhar mais um mito! Nas redes sociais, Trump exigiu rendição incondicional e admitiu saber onde se encontra o líder supremo do Irão, mas que “por agora” não planeia matar Khamenei!
18 de Junho
Em plena crise política em Espanha, com o PSOE no centro de um caso de corrupção, o Governo de Pedro Sánchez revelou as conclusões do relatório sobre o apagão de energia que deitou abaixo a electricidade também em Portugal, a 28 de Abril. A culpa foi da Red Elétrica (acusada de erros de gestão da rede graves) e de operadores privados (não identificados) que têm centrais de produção e que são pagas para estabilizar o sistema, mas não o fizeram. Estas acusações não passam de um expediente para desviar a atenção mediática dos escândalos de corrupção dentro do PSOE, com o pagamento de subornos na adjudicação ilegal de obras públicas. O Governo rejeita eleições antecipadas, mas o dano no Estado de Direito aconselha a dar a palavra ao povo espanhol, dissolver o Parlamento e realizar eleições.
19 de Junho
Começou o julgamento que opõe a humorista Joana Marques aos membros da banda Anjos, Sérgio e Nélson Rosado. Uma das questões mais recorrentes nos depoimentos anda à volta do debate sobre os limites do humor. Existem? Deviam existir? E como se definem, onde fica a linha do que é aceitável e do que é condenável? E, já agora, quem é que define esses limites? A liberdade de expressão de um humorista é um direito fundamental que se sobrepõe a uma crise de acne ou ao cancelamento de alguns espetáculos. O vídeo satírico em causa não é ilícito; Joana Marques limitou-se a fazer humor com uma interpretação musical infeliz dos Anjos do hino nacional. Condená-la neste caso seria um retrocesso civilizacional!
20 de Junho
Israel queria uma resposta em dois dias, os EUA deram duas semanas. Donald Trump deu tempo para que eventuais negociações permitissem a pacificação na região. Não especificou interlocutores, não assumiu objectivos claros. Mas deu mais 15 dias ao diálogo. Ao mesmo tempo, Jerusalém mostrou sinais de que não quer esperar pelos americanos e que pretende avançar com a aniquilação do programa nuclear iraniano — ainda que precise dos EUA para atingir o ponto nevrálgico das instalações nucleares do país.
23 de Junho
Continuam as dúvidas sobre o que vai acontecer no Médio Oriente, depois do ataque norte-americano no Irão ocorrido na madrugada de sábado para domingo. Trump e aliados têm defendido uma política de não-intervenção, mas a operação dos EUA envolveu bluff e surpresas. “A dissuasão americana está de volta”, declarou Pete Hegseth, Secretário de Defesa dos EUA. Entre as principais consequências do ataque está o eventual fecho do estreito de Ormuz. O Irão quer bloquear a circulação de petroleiros, tarefa que não se antecipa fácil, mas é por aqui que passa parte importante do petróleo e gás natural comercializados a nível mundial.
25 de Junho
O número de pessoas sem médico de família subiu em Maio e aumentará a médio prazo depois de o mais recente concurso ter terminado com apenas 231 médicos colocados. É o valor mais baixo dos últimos quatro anos. A situação mais crítica continua a ser a da região de Lisboa e Vale do Tejo, onde 30% da população não tem médico de família atribuído. O Ministério da Saúde não comentou os números, mas revelou que está a ser ultimado um diploma para autorizar as ULS a contratar médicos de família paras as 354 vagas que ficaram por ocupar. Já percebeu porque é que a subscrição de seguros de saúde em Portugal aumentou mais de 17% e as consultas nos hospitais privados dispararam?
26 de Junho
A cimeira da NATO ficou marcada por três figuras: Trump, Sánchez e Zelensky. O primeiro saiu do encontro como vencedor, o segundo como derrotado e o terceiro como quase esquecido — mesmo assim, o Presidente ucraniano conseguiu ter uma boa reunião em privado com o Presidente norte-americano. Os membros da NATO fixaram uma nova meta de 5% do PIB para investimento em defesa e segurança até 2035, o mesmo nível da Guerra Fria – uma fasquia de que os EUA não abdicam, mas que coloca dificuldades a vários aliados, entre os quais Portugal. Nuno Melo, ministro da Defesa, apressou-se a dizer que o anunciado reforço do investimento na defesa em 2% do PIB até ao final do ano é “um esforço muito grande” e que o país deve estar “concentrado” em cumpri-lo. A vitória de Trump pode levá-lo a ver a NATO de forma mais favorável, aproximando-a dos EUA e sossegando os aliados europeus mais vulneráveis a um ataque russo. Ainda sobre a meta ambiciosa, há um sinal político novo e profundamente transformador: dos 5%, 1,5% será dedicado a áreas não militares, como ciberdefesa, protecção de infraestruturas, apoio ao sector privado e capacitação da sociedade. Como escreveu Ana Miguel dos Santos, “pela primeira vez, assume-se de forma explícita que o combate das guerras não é monopólio dos militares. As guerras do futuro serão travadas também nas redes, nos sistemas logísticos, nas escolas, nos hospitais e nos municípios. A defesa tornou-se multidimensional, e convoca todos”.
27 de Junho
Uma (pequena) reestruturação na RTP e a mudança da direcção de informação incendiaram ânimos e pedidos de idas ao Parlamento. O Conselho de Redacção da RTP questionou a “legitimidade” da decisão de exoneração da direcção de informação e falou em violação da lei por não ter sido consultado. Faz sentido manter a RTP tal e qual como está?
28 de Junho
O Governo aprovou o aumento dos critérios e dos prazos para naturalização. Decisão judicial pode determinar perda da nacionalidade. Esmiuçando: vai ser preciso mais tempo de residência em Portugal e mais provas de integração no país para que os imigrantes possam adquirir a nacionalidade portuguesa; volta a ser proposta a criação da Unidade de Estrangeiros e Fronteiras dentro da PSP; há mudanças à vista na lei de estrangeiros e ainda a possibilidade de perda de nacionalidade por quem cometer crimes graves – “sempre decretada opor um juiz”. Segundo o ministro da Presidência, “são mudanças imprescindíveis ao tempo em que vivemos”, recusando quaisquer dúvidas de eventuais inconstitucionalidades. Já para José Pacheco Pereira, a “Lei da Nacionalidade é uma vitória política do Chega e uma bofetada de luva branca no PS", mas os diplomas aprovados ainda têm de passar todos pelo crivo da Assembleia da República.
2 de Julho
O julgamento da Operação Marquês vai começar, mas José Sócrates tirou um dos últimos cartuchos de exposição mediática antes de se sentar no banco dos réus: apresentou queixa contra o Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. O antigo primeiro-ministro acusou o “tribunal de ter sido manipulado para perseguir-me. Só as ditaduras escolhem juízes para processos. Isto já aconteceu comigo duas vezes”, disse, para ainda argumentar que o processo foi ressuscitado: “O processo estava morto e foi trazido à vida por um lapso de escrita”. A Operação Marquês, o maior e mais devastador processo judicial contra Sócrates, pode ser a queda final do “animal feroz”!