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VEDROGRAFIAS: « A “Física” e o Cinema ao Ar Livre»

Neste ano em que se comemora o centenário de uma das mais prestigiadas e importantes colectividades locais, a Associação de Educação Física e Desportiva de Torres Vedras, fundada em 9 de Abril de 1925, popularmente conhecida pela “Física”, aqui recordamos umas das facetas mais originais que marcou a sua história.

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Imagem ilustrativa: VEDROGRAFIAS: « A “Física” e o Cinema ao Ar Livre»

Cruzo neste texto a informação contida no trabalho de investigação da autoria de Cecília Travanca (1) com a minha própria memória e documentação do meu arquivo pessoal.

Torres Vedras conheceu o cinema logo nos inícios do século XX, tendo a sua primeira sala de cinama, o Salão Avenida Animatographo, inaugurada na Avenida 5 de Outubro em 1911.

Por tradição oral sabe-se que, ao longo dos anos 40 do século passado, pelo verão, realizavam-se sessões de cinema ao ar livre na chamada Praça da Batata, no Largo junto à Igreja de S. Tiago, servindo a parede sul desse monumento de écran.

Os responsáveis por essas sessões colocavam cadeiras nesse espaço e, no fim da sessão, corriam o espaço a recolher os donativos para pagar o espectáculo, ocasião que muitos escolhiam para se escapulir.

Deve-se contudo à Física a iniciativa de exibir sessões ao ar livre de forma organizada, aproveitando o espaço do ringue de hóquei e basquete nas traseiras da sede fundadora, na Avenida 5 de Outubro, entre os dois espaços escolares aí existentes.

Foi em 1952 que “Armando Pedro Lopes executou as plantas do recinto ao ar livre e dependências, para dar resposta à Inspecção-geral de Espectáculos”, para aí se poder exibir cinema ao ar livre. Os lucros revertiam para a Colónia Balnear de Santa Cruz, gerida por essa associação,  tendo sido autorizada a exibição de cinema nesse espaço nos meses de Agosto e Setembro (2).

Em 1953 teve lugar a primeira temporada cinematográfica nesse espaço, baptizado como Cine-Esplanada Colónia Balnear, com a exibição de vinte e seis filmes. Os filmes exibidos procuravam combinar a actualidade dos títulos escolhidos, com a qualidade e a popularidade dos mesmos, num equilíbrio difícil, principalmente perante a concorrência comercial do Teatro-Cine e, a partir de 1956, a concorrência da qualidade do Cineclube.

Cada temporada era acompanhada pela edição de um catálogo, pago pela publicidade de empresas locais, onde cada filme exibido ocupa uma página com as informações essências sobre o mesmo.

Todos os filmes eram antecedidos por documentários, desenhos animados e Jornal de actualidades.

Na apresentação do catálogo da segunda temporada, a de 1954, podia ler-se ser “com sincero orgulho que o Cine Esplanada Colónia Balnear apresenta o catálogo da sua “Temporada Esplendor-1954”, na qual se incluem alguns dos mais notáveis espectáculos cinematográficos de todos os tempos (…) Quisemos justificar o título “Temporada Esplendor-1954” constituindo-a por filmes que já estão na história do cinema, apesar de recentemente exibidos, e, por achar-mos práticamente impossível reunir melhor conjunto para uma época cinematográfica de apenas dois meses”.

O espaço era então organizado com camarotes “de 5 entradas”, 1ª e 2ª plateia e “Geral”.

No catálogo da temporada de 1955 apresentavam-se duas novidades dignas de registo, o alargamento para três meses de exploração, “num total de 53 espectáculos” e “um novo sistema, que revolucionou a indústria cinematográfico: O CINEMASCOPE. Deste modo, veremos no ÉCRAN GIGANTE, películas de extraordinária grandiosidade e efeito espectacular como “A TÚNICA”, “O EGÍPCIO”, “DEMÉTRIO, O GLADIADOR”, “SETE NOIVAS PARA SETE IRMÃOS”, “BRIGADON”, etc., todas exibidas recentemente nos melhores cinemas da capital, com enorme afluência de público”.

É de recordar também que a primeira sessão, não oficial, do Cineclube de Torres Vedras, desafiando as autoridades, ocorreu no Cine Esplanada, com a exibição do filme Ladrões de Bicicletas , no dia 29 de Julho de 1956. Com a legalização dos estatutos daquela associação, por despacho de 9 de Março de 1957, publicado em Diário do Governo de 30 de Março de 1957, teve lugar, no mesmo espaço do Cine-Esplanada,  a primeira sessão oficial em 23 de Julho de 1957, com o filme É preciso ter azar de Nils Poppe, seguindo-se mais duas sessões no mesmo espaço em 27 de Agosto e 24 de Setembro desse ano. Posteriormente o Cineclube passou a realizar as suas sessões no Teatro-Cine.

É nesse mesmo ano de 1957 que surgem algumas queixas sobre as deficiências de som e projecção, assim como das condições para os espectadores obrigados a usar cadeiras “Velhas, podres e demasiado incómodas”.

Em 1959 foi adquirida uma máquina de projecção de melhor qualidade e, em 1963, realizaram-se vários benefícios “com a instalação de cadeiras estofadas na plateia, bem como a construção de um balcão coberto, o que levou ao aumento de espectadores” (3) RODRIGUES, p. 209.

A segunda metade dos anos 60, a concorrência do Teatro-Cine, que funcionava todo o ano, e das sessões televisivas, levou à diminuição do público do Cine-Esplanada, que realizou a sua última época em 1968.

O autor desta linha guarda algumas memórias desse espaço que aqui partilha, a completar esta breve evocação.

Tendo treinado hóquei em patins no antigo ringue da física, lembra-se de uma grande estrutura em cimento, no topo sul, onde, no inicio de cada temporada cinematográfica, era montada uma enorme lona branca, que servia de écran.

No ringue eram montadas as cadeiras em madeira da plateia, enquanto o balcão se localizava nas bancadas a norte e, por cima, ficava a cabine de projecção.

Como na altura não tinha idade para assistir à maior parte dos filmes, cujo controle de entrada era muito rigoroso, lembra-se de, em noites de calor de verão, se juntar à rapaziada da praceta Afonso Vilela e arredores que ocorria para o recreio da actual escola do avião, então escola primária feminina, para ficar a ver as luzes e o som dos filmes, na parte de trás do écran acima referido, cujas imagens eram  vistas detrás e aos quadradinhos, por causa do formato da estrutura que segurava o grande écran. Não percebíamos nada, mas eram momentos mágicos. Alguns, mais afoitos e habilidosos, conseguiam subir para os muros circundantes e assistir a partes dos filmes, até serem corridos pelos vigilantes.

Essa a era a magia do cinema ao ar livre, numa época com pouca televisão e sem redes sociais.

(1)   RODRIGUES, Cecília Travanca, “O Cine-Esplanada”, in História da Associação de Educação Física e Desportiva de Torres Vedras, obra coordenada por Carlos Guardado da Silva e Cecília Travanca Rodrigues, ed.2012, pp.205-209 com a minha memória e documentação pessoal;

(2)   RODRIGUES, ob. Cit. ;

(3)   RODRIGUES, p. 209.

Venerando Aspra de Matos