ORLANDO FERNANDES: «A reforma é necessária»
Nas últimas semanas, algumas pessoas entenderam que é imperioso um sobressalto cívico para reformar a Justiça. Se perguntar, em abstracto, a cada português, se deseja a reforma da Justiça, a resposta será necessariamente afirmativa. Se a questão se reportar igualmente à saúde, ao ensino, ao sistema político ou financeiro, o sentido será o mesmo. Todos queremos a melhoria de sectores essenciais para a vida em sociedade e a Justiça é um deles. A pergunta que se impõe é o que se pretende mudar, quais os sectores prioritários e se há recursos suficientes para o efeito.

A morosidade é o principal problema do sistema da justiça. Neste momento, devido à falta de oficiais de justiça, há mais de 120.000 inquéritos parados nas secretarias e a situação está a agravar-se rapidamente. O ministério tem aberto concurso de admissão, mas, no último, só conseguiu recrutar cinco pessoas. No início de carreira, o vencimento de um oficial de justiça situa-se pouco acima do salário mínimo, pelo que o recrutamento se afigura muito difícil. Com o número previsível de funcionários que se aposentará nos próximos anos, caso nada seja feito, os tribunais caminharão rapidamente para a paralisia e subsequente colapso. É estranho ou, talvez não, que as pessoas que se mostram muito preocupadas com o desempenho das Justiça não exijam a mudança deste estado de coisas.
O aumento da celeridade passa por mudar o regime de notificações, adaptando-o à nova realidade. No processo penal, os intervenientes processuais continuam a ser notificados por carta, não se admitindo o recurso a notificações electrónicas. Esta simples mudança permitiria acelerar o tempo de resposta e poupar milhões de euros em custos postais e papel. Uma grande parte dos cidadãos já recebe as suas contas e trata dos seus assuntos bancários, fiscais e empresariais através do correio electrónico e não pela via tradicional. A lei tem de permitir a indicação do endereço electrónico, como morada válida para efeitos de notificação.
Num quadro de escassez de recursos humanos, há que acelerar a integração informática dos dados registados nas polícias com aqueles que têm de ser inseridos no sistema do Ministério Público e tribunais. Hoje em dia, há uma repetição de trabalho que se poderia evitar com uma plataforma integrada. A Procuradoria-Geral da República tem pronta uma aplicação informática que permitiria avançar neste domínio, mas a mesma ainda não avançou, por falta de verbas para assegurar a manutenção.
Na fase de inquérito, os mecanismos de celeridade e consenso poderiam ser ampliados e aperfeiçoados. Por exemplo, a suspensão provisória do processo, situação em que o arguido não é julgado mediante o cumprimento de injunções, poderia passar a abranger um maior leque de situações. No processo sumaríssimo, bastaria apenas alterar o momento da notificação pessoal do arguido, quando à pena proposta pelo Ministério Público, para o tornar muito mais eficiente. O processo sumário também carece de ser simplificado.
No que concerne à fase de instrução, há que tomar medidas para evitar que a mesma se torne um verdadeiro julgamento que, por vezes, demora vários anos. Não é essa a finalidade para a qual a instrução foi criada.
Quanto à fase de julgamento, é imperioso avançar rapidamente com a utilização regular do programa informático que permite uma apresentação estruturada da prova a todos os processos de grande dimensão. O recurso a esta ferramenta informática a permitirá que os julgamentos sejam realizados em menos tempo. Para além disso, há que investir na justiça negociada e limitar o julgamento aos factos controversos. Hoje, se o crime for punível com a pena de prisão superior a cinco anos de prisão, o legislador não aceita a renúncia à produção de prova, ainda que o autor do crime tenha confessado livremente, esclareça todos os factos e apresente uma versão coerente do que aconteceu. O legislador exige que se continuem a inquirir testemunhas, analisar documentos e relatórios periciais, mesmo nos casos em que o autor dos factos apresentou em julgamento uma confissão convincente dos factos, realidade que importa alterar.
No que diz respeito à fase de recursos há que repensar o papel dos recursos para o Tribunal Constitucional, pois o mesmo não é uma instância de recurso ordinário das decisões judiciais e a sua apreciação cinge-se às questões de constitucionalidade. Por essa razão, neste tipo de recursos, a taxa de insucesso é extremamente elevada. Deste modo, o recurso para o Tribunal Constitucional não deveria suspender a aplicação das penas determinadas pelos tribunais judiciais.
Por último, se reconhece que o maior problema da Justiça portuguesa é a morosidade, qual a razão por que sistematicamente, se discutem questões menos relevantes que não têm tanto impacto na vida comum dos cidadãos e das empresas? Será que muitas das propostas para reformar a Justiça, apontadas como prioritárias, visam beneficiar a generalidade dos cidadãos ou têm antes como objectivo servir o interesse de certas pessoas bem identificadas?