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HÉLDER SOUSA SILVA: «Bússola Cultural para a Europa»

A Cultura tem sido, frequentemente, tratada como algo acessório, descartável sempre que surgem crises mais visíveis, como as económicas, de segurança ou de saúde pública. A tentação de reduzir o investimento cultural em tempos difíceis é recorrente. No entanto, é justamente nesses períodos de incerteza que a Cultura assume um papel estruturante: ela é o elo que liga as comunidades, o espelho da nossa diversidade e o cimento da nossa identidade comum.

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Hélder Sousa Silva (Eurodeputado PSD/PPE)
Hélder Sousa Silva (Eurodeputado PSD/PPE)

A guerra na Ucrânia demonstrou, de forma brutal, como o património cultural pode ser deliberadamente visado. A destruição de locais emblemáticos como o Museu de Ivankiv, o Centro Histórico de Chernigov ou o Teatro de Mariupol constitui não apenas uma perda material, mas um ataque profundo à memória coletiva e à identidade de um povo. Estes locais não são apenas edifícios; são guardiões da história, da criatividade e da resistência cultural. Atentar contra eles é tentar apagar a história e a soberania de uma nação.

É neste contexto desafiante que surge a Bússola Cultural para a Europa, uma proposta estratégica da Comissão Europeia que pretende colocar a Cultura no centro das políticas públicas europeias. Este instrumento não se limita a responder aos problemas quotidianos do setor, como a precariedade laboral ou o subfinanciamento, mas ambiciona estruturar uma visão de longo prazo, assumindo a Cultura como vetor essencial de coesão, inovação e resiliência.

Representando cerca de 2% do PIB da União Europeia e empregando 3,8% da sua força de trabalho, o setor cultural possui um peso económico inegável. Contudo, o seu valor vai muito além da dimensão financeira: a Cultura tem a capacidade de construir pontes entre comunidades, estimular o pensamento crítico, afirmar os valores democráticos e resistir à polarização que se intensifica nas sociedades europeias. É também uma resposta essencial à desinformação, ao radicalismo e à fragmentação social. Não se trata apenas de entretenimento ou expressão estética, mas de cidadania, democracia e liberdade.

A proposta da Bússola Cultural assenta em cinco pilares estratégicos: reforçar a competitividade do setor, garantir a liberdade de expressão, preservar e valorizar o património, responder aos desafios colocados pela inteligência artificial e melhorar as condições laborais dos profissionais culturais. Estes pilares estão interligados e refletem as novas exigências de um setor em rápida transformação, particularmente no que toca à digitalização e à proteção contra abusos e censura.

O combate à desinformação é hoje um desafio central. Narrativas falsas, amplificadas por redes sociais e por atores mal-intencionados, enfraquecem as instituições e corroem a confiança dos cidadãos. A Cultura, ao promover o pensamento crítico, o diálogo e a diversidade, é uma ferramenta poderosa para contrariar estas tendências. Criar espaços de debate, investir na educação artística e estimular a produção cultural livre e plural são caminhos fundamentais para proteger a democracia.

Apesar da relevância crescente da Cultura, o seu financiamento a nível europeu continua a ser fragmentado. O programa Europa Criativa é o principal instrumento comunitário dedicado à área, mas representa apenas 0,2% do orçamento europeu. Existem outros programas, como o Erasmus+, o Horizonte Europa, os Fundos de Coesão ou o FEDER, que incluem componentes culturais. No entanto, a ausência de uma abordagem integrada e coordenada continua a limitar o verdadeiro potencial destes apoios.

Embora as competências culturais sejam da responsabilidade dos Estados-Membros, a União Europeia pode e deve desempenhar um papel ativo na coordenação, incentivo à cooperação transnacional e promoção da Cultura enquanto bem público europeu. O princípio da subsidiariedade não deve ser um obstáculo, mas sim uma base para reforçar sinergias e complementar esforços.

A Bússola Cultural para a Europa pode e deve ser mais do que um manifesto de intenções. Se for dotada de recursos adequados, se promover a articulação entre políticas e se envolver diretamente os agentes culturais, poderá marcar uma viragem real. Caso contrário, corre o risco de se tornar mais uma promessa inconsequente. A construção de uma Europa mais coesa, inclusiva e inovadora exige uma aposta firme na Cultura. Não como luxo, mas como necessidade vital.

Assumir esta ambição de forma séria significa consolidar a Cultura como pilar essencial da identidade europeia e como instrumento central na construção de uma sociedade democrática, resiliente e próspera.