RICARDO FERREIRA: «Viva o Retrocesso»
Tempo curioso o que vivemos, onde olhamos o mundo em função do progresso. Onde tudo o que é progresso é bom apenas por ser… “o progresso”. Mas o que é o progresso?

O progresso é visto como o avanço contínuo e irreversível da humanidade rumo a um futuro melhor. E como se atinge esse progresso? Com um crescimento material que nos afasta do passado, rumo a uma humanidade superior. Superior em quê? Em individualismo.
O progresso é uma construção social que se tentou assumir como verdade absoluta e inquestionável, onde se incorporou a ideia de que “mais novo é sempre melhor”, onde se pretende estar constantemente a reinventar o mundo e onde a felicidade só existe no materialismo.
Assim sendo, se “mais novo é sempre melhor”, estamos a validar o desprezo pelo passado, pelas tradições, pela raiz da sociedade. E uma folha que se soltou da árvore não é mais livre, é mais frágil.
Estas mudanças a que se chama “progresso”, que não respeitam a base que nos trouxe até aqui, também podem gerar consequências sociais gravíssimas, como a destruição das tradições através da ridicularização das mesmas (esquecendo que, na verdade, as tradições são uma forma de comunicação que atravessou gerações), o enfraquecimento de laços sociais e familiares, colocando o indivíduo sempre acima do todo, desprezando a comunidade e as estruturas familiares que nos acompanham há séculos, e a desumanização das relações (seja com a banalização do divórcio, com os relacionamentos digitais ou com a mercantilização da vida humana).
Este avanço cego, que nos trouxe por um lado um ruído permanente, trouxe-nos com ele uma solidão extrema.
Falamos de um progresso que é, na verdade, um aumento de produtividade e, portanto, um progresso material sem alma, sem questionamentos provenientes do silêncio e da reflexão. É uma modernidade recheada de ilusões que alimentam o exterior, mas que nos invade o íntimo com um vazio espiritual.
A sociedade está doente e… qual será a cura para a doença progressista? Mais progresso!?
Se eu vou de viagem e decido seguir por um determinado percurso onde as estradas estão impecáveis, há postos de abastecimento em vários pontos, serviços de emergência, a iluminação é adequada, mas vejo que o destino é uma ravina, devo progredir? Ou devo retroceder?
Devo fazer inversão de marcha e seguir por um caminho onde as estradas possam ter alguns problemas, a iluminação falhar em alguns pontos, onde existam menos serviços de
emergência e onde haja poucos postos de abastecimento, mas, em contrapartida, o destino seja um lugar de descanso, verdade e beleza, onde a alma volta a respirar?
É urgente repensar o retrocesso, retirar a carga negativa da palavra e ver nela o que está para lá dos nossos olhos.
Se a sociedade aceitou uma determinada mudança, que possa ter sido importante num determinado contexto, mas essa mudança se revela prejudicial nos dias de hoje, é hora de retroceder.
A alternativa a caminhar rumo ao abismo de olhos vendados é voltar atrás.
Nem todo o progresso é bom. Nem todo o retrocesso é mau.
Ricardo Ferreira