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LUCAS QUARESMA: «Será a República Popular Chinesa a vencedora?»

A República Popular da China, figura hegemónica de autoridade económica, tecnológica e militar, transformou radicalmente a sua abordagem às dinâmicas internacionais, num eixo contrário ao dos Estados Unidos, optando pela moderação, enquanto vetor para a concretização de interesses estratégicos.

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Lucas Quaresma
Lucas Quaresma

Vetada a algum esquecimento no período recente, a nação que pode ser considerada a segunda figura da Ordem Internacional, está a trabalhar numa alteração do antagonismo europeu, motivado pela conjuntura internacional contemporânea e pelos impedimentos relacionais provenientes da Cimeira de Madrid da O.T.A.N. (2022) e da estratégia europeia de Des-Risking (2023).

A realidade, é que a ambição europeia de materializar a sua autonomização e estratégia de “des-risking”, ou seja, de redução dos riscos da dependência chinesa, está a ser profundamente condicionada pela postura política da nova liderança norte-americana, com o surgimento de uma guerra comercial e com a incerteza, face ao futuro da segurança a Leste, suscitando um grau de maior fragilidade ou de possível volatilidade, que se apresenta como favorável a Xi Jinping.

A administração chinesa, talvez, dotada de alguma tecnologia que ainda desconheçamos no Ocidente, procurou com profunda prudência conduzir os seus affairs desde o início da invasão russa do território ucraniano, de modo a salvaguardar-se e a satisfazer a sua agenda internacional.

É necessário, acima de tudo, anular a “lente” que utilizámos para interpretar a posição chinesa de proximidade a Moscovo, não se tratando de uma relação bilateral assente na amizade, mas numa estratégia duplamente vantajosa, com os seguintes efeitos: 1. Perturbação das forças políticas ocidentais e dos Estados Unidos da América (administração Biden) e 2. Fácil ocupação da esfera de influência russa no Sul-Global.

As ações chinesas, apesar de prudentes, face aos interesses estratégicos da agenda política do Xi Jinping, não foram acolhidas com bons olhos pelos decisores ocidentais, quer pela não condenação da invasão, quer pela estratégia comercial que adotou com a Rússia, assumindo-se como motor da economia sancionada, adquirindo petroquímicos a preços inferiores aos de mercados e exportando semicondutores e aparelhos com dupla utilidade (civil e militar) – não esquecendo a célebre proposta de Paz, consagrada em 12 pontos fundamentais, que não citavam a retirada russa.

A alteração que o Mundo sofreu em janeiro de 2025, com a tomada do 47.º Presidente dos Estados Unidos, traduziu-se num profundo abalo dos eixos da política internacional, no entanto, o que Donald Trump ainda não integrou nas suas equações de ímpetos irracionais e vontades ególatras é que a rutura entre parceiros atlânticos, é uma abertura de um espaço de reafirmação Chinesa.

A guerra comercial, as tensões diplomáticas e a matéria de segurança na região do indo-pacífico, bem como, o mais tenso ponto de divergência entre as duas maiores economias do Mundo, Taiwan, não são fenómenos de causa menor, no entanto, são fenómenos que num outro mandato, um com maior suporte e mais bem acolhido na comunidade internacional, foram ultrapassados – algo que concede um ligeiro avanço estratégico à liderança chinesa.

A alteração radical da postura norte-americana face à guerra na Ucrânia, viabiliza a consolidação de um espaço de maior influência junto de Moscovo, bem como, num possível incremento na estratégia de cooperação, no entanto, este cenário julgo ser demasiado comprometedor para os interesses económicos chineses, mais fortes na União Europeia.

O conflito comercial, entre a União Europeia e os Estados Unidos, num período em que a necessidade de rearmar a Europa urge, com toda a dimensão tecnológica e material que se associa a este processo, poderá corresponder a um novo crescimento da influência chinesa junto das nossas economias.

Em suma, na incerteza do momento, a China, de forma silenciosa, cresce junto do Sul-Global e trabalhará para uma reaproximação às economias europeias, numa clara concretização da sua agenda estratégica, apesar dos seus constrangimentos internos.